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“Teje presa”

Não, não, não chegou a isso.

Bem, tenho a impressão de que, para muitos dos que me conhecem, a imagem mais corrente é de certinha (espero que não seja de carola da paróquia local).

Pois o mito acaba de cair por terra. Porque meu nome agora não consta apenas dos anais de Bonn como cidadã e (boa e sofrida) pagadora de impostos.

Consta também como contraventora. Fui parada pela polícia por ter atravessado o farol vermelho – de bicicleta.

Há agravantes que detalharei mais à frente. Só antes lembro que meus convivas aqui de Bonn conhecem praticamente de cor um dos meus maiores bodes com as regras alemãs – aliás é o bode exemplar, ainda ontem falei dele com uma amiga. Diz respeito a uma placa que se vê afixada em TODOS os semáforos de Bonn: “atravesse apenas no verde para dar exemplo às crianças”.

Não sou  mãe e não quero criticar. Mas, desculpem lá, não sou responsável pela educação dos filhos dos outros (digo os outros que não conheço, sobrinha e filho de amigo é diferente – e nem aí me atrevo a dar muito pitaco…). Portanto assumo que sim, atravesso a rua com o farol de pedestres vermelho – olhando, prestando atenção e quando não há carros à vista ou qualquer perigo ameaçador. Os pais que expliquem pros filhos como se comportar no trânsito.

Lembro a frase de ontem da amiga: “Parece que aqui eles não são ensinados a pensar, mas a OBEDECER”, o que me levou à lembrança de outro comentário de um conhecido, dizendo que Theodor Adorno (ou teria sido Mark Twain? Quem?) disse que os alemães são o povo do mundo que mais tem as regras interiorizadas. Sim, sou uma espécie de estrangeira por aqui e, para me integrar, tenho mesmo que me adaptar, mas não gosto que me imponham comportamentos que eu não escolhi, e isso acontece muito por aqui.

Enfim. Estava voltando do trabalho, pedalando, e simplesmente não peguei o caminho pelo Reno – uma pista específica para ciclistas e pedestres, sem farois ou trânsito – porque, às 23h, minhas pernas não tem vontade de subir ladeiras para chegar ao centro e à minha casa, em seguida.

Peguei a avenida mais movimentada, que também serve para ciclistas e que não tem ladeira. Em BONN, às 23h00, NUNCA TEM NINGUÉM nos cruzamentos. E, mesmo assim, eu costumo diminuir a velocidade da magrela, mesmo sem viv’alma à espreita. Quase paro. Mas só quase.

Eis que, num desses cruzamentos – estava vermelho para mim, na avenida principal -, eu diminuí a velocidade para olhar se vinha alguém, mas ainda estava em movimento. Surgiu um táxi no cruzamento, vindo de uma pequena rua de acesso, do lado direito, a toda velocidade. Ele buzinou, não tiro a razão do homem, mas não teria acontecido nada porque eu ainda não estava na área em que qualquer coisa pudesse acontecer. O que assustou – depois me dei conta – foi a velocidade com que ele veio.

Deixei o taxista passar, atravessei a rua na mesma, porque aí já não havia viv’alma mesmo, e ouvi um apitinho – do carro da polícia. Com direito a luzes azuis e tudo.

Acho que assustei mais com isso que com o taxista – não teria dado tanta importância ao não ocorrido. O policial parou disse:

– Isso não foi bonito. Quer dizer, você passa o semáforo e achou que eu não ia ver? Não foi à toa que o taxista buzinou.

Eu não disse nada.

– Porque?

Eu não disse nada. Depois, tentei, mas não fui convincente. Como explicar que – sim, estava errada, mas que, usando o bom senso, não faz sentido para mim ficar parada num farol SEM NINGUÉM POR PERTO?

Fiquei olhando para ele com cara de tacho. O policial, um careca bigodudo e bonachão (ele deve ter é morrido de rir da minha cara depois), pegou minha identidade e anotou meu endereço.

Depois voltou, balançando a cabeça, sério:

– É você que fica prejudicada.

Eu não disse nada, resolvida a não me irritar com o típico “dedo em riste” dos alemães (a expressão em alemão é “erhobener Zeigefinger”). Sempre tem de haver uma liçãozinha de moral…

Eu agora vou pra casa é pelo Reno. Porque, ok, a ladeira não é tão pesada assim.

P.S.: Apenas para não apontarem minhas contradições pessoais com o dedo, nos idos tempos de 2002 minha carolice era evidente. Cheguei a regurgitar regras de trânsito para pedestres na presença de uma amiga, na Avenida Paulista (“só atravesso quando estiver verde, ninguém aqui respeita lei, pô”). Bom, na Avenida Paulista eu respeito semáforo, mesmo. E a gente vai evoluindo (ou regredindo, sei lá. Ou então, o que acho mais provável, essas duas situações aqui descritas são típicas dessa atitude nacionalista que a gente acaba assumindo, dependendo do país onde se está. Bom, esse assunto dá pano pra outro post…)

Faltou pouco para o pneu cantar.

– Coméqueé?

As duas olhavam para mim, atônitas – uma do banco de trás, a outra segurando o volante do carro.

– Não, gente, calma. Frauenparkplatz é para a segurança da mulher.

– Ah, bom…

As duas amigas logo começaram a rir do próprio machismo. Saindo do carro, tiraram fotos da placa designando o Frauenparkplatz – Vaga para mulheres.

Eu ri também. Entendi imediatamente a surpresa estampada na cara delas. Refletiu anos de gozações com as “mulheres ao volante…” (aos não-brasileiros, favor completar a frase com o título do post).

As vagas de estacionamento para mulheres existem em toda a Alemanha, por elas serem consideradas um grupo mais vulnerável a assaltos ou, claramente, a estupros. Costumam ficar mais próximas às saídas dos estacionamentos, ter maior iluminação, ser bem visadas pelas câmeras de vídeo e ter alarme ao alcance rápido da potencial vítima.

Não é que crimes como estes tenham maior incidência em estacionamentos; mas, em Estados federados como Hessen (cuja capital é Frankfurt), as vagas são vistas como uma forma de aumentar o sentimento de segurança das mulheres.

As vagas não fazem parte da lei alemã de trânsito, como as vagas para deficientes físicos; são disponibilizadas pelos estacionamentos privados. Em alguns códigos estaduais que definem as construções de garagens, vagas “femininas” precisam perfazer ao menos 10% dos lugares para estacionar.

A Mannschaft perdeu ontem para a Espanha. Muita gente por aqui achou merecido, eu também.

As reuniões de gente de ontem nos bares de Bonn começaram cabisbaixas. Não pude ficar para ver se a temperatura aumentou porque o plantão de hoje começou às 5h30.

Mas, como de hábito, apenas alguns cacos de vidro foram esquecidos nas ruas por gente que saiu dos inferninhos com o sol já adiantado no horizonte.

Do resto, cuidou a máquina laranja das vassouras rotativas (como há máquinas para tudo aqui!), enquanto eu passava de bicicleta a caminho do trabalho.

E, àquela hora, e como se nada fosse, tudo já estava limpo.

Cotidiano

Não é preciso trabalhar numa emissora internacional de rádio, TV e internet para encontrar gente de todo jeito, de todo lugar.

Tudo bem, numa rádio internacional é mais fácil encontrar gente do mundo todo. O colega ali da redação suaíli vem da Tanzânia, parece o Morgan Freeman e já cobriu não sei quantas Copas do Mundo. Se aposenta em Setembro. Numa parede, ele olha para um poster do Ronaldo (Fenômeno), atrás de si lembra do Lago Vitória num mapa desbotado e ultrapassado.

Duas salas adiante, o colega do próprio departamento veio de Moçambique, e antes disso era contador pelo Exército português no país. Outra amiga da redação persa deixou de publicar o nome na página dos trainees por temores da censura iraniana.

Já pensou?

Pena que nem essas histórias são imunes ao dia-a-dia que adora massacrar a vida – especialmente num lugar onde a mentalidade de funcionário público acaba, num momento ou no outro, por cortar as asinhas da imaginação.

Hoje, encontrei um colega da redação árabe. Vem da Tunísia. Houve papo de corredor e de um encontro fortuito no ônibus – há três anos atrás. Ele tinha aspirações a mestrados ou doutorados, mas na altura havia desistido por causa do estilo “jornalístico” de escrever, que aparentemente não combinou com a academia que ele ambicionava frequentar.

Café expresso no copinho de plástico pra tomar na mesa, apertei como sempre o botão do elevador, disse “tchau, bom dia pra você também”. E me dei conta de que não – não me lembro do nome do homem.

“Todo dia ela faz tudo sempre igual…”

Desde pequenina

Os alemães, como na Copa que sediaram em 2006, estão abraçando a seleção nacional que joga contra a Espanha amanhã, em Durban. Dá a impressão de que todos são uma grande família, e a seleção incorpora o espírito do “Teamgeist”, algo de que pessoalmente senti falta durante esse torneio, com exceção de equipes como o Gana.

Vitórias contra a Argentina costumam lavar a alma da maioria dos brasileiros; no último fim-de-semana, os 4 a 0 lavaram a alma dos alemães. Ficou fácil lavar a minha, eu que literalmente sou alemã desde pequenina. Com o Brasil fora do Mundial, a seleção com que mais simpatizo é a Nationalmannschaft.

Jogo de estreia da Copa de 2006, em Munique; o moço da foto me passou até cantada. Imagine só se a Alemanha for mesmo campeã

Porém, os alemães, convenhamos, parece que estão aprendendo a ter um pouco de malícia (eles não têm quase nenhuma, costumo ter a impressão de quase sempre ter de explicar piadas) – pelo menos quando se trata de provocar os argentinos. Além dos embates finais históricos de 1986 e 1990 (vencidos respectivamente por Argentina e Alemanha), os alemães ainda não tinham engolido a pancadaria das quartas-de-final de 2006.

As provocações, pelo jeito, não vêm de hoje. Se os argentinos “não sabem perder” ou são “temperamentais”, conforme lançou ao ar o meia alemão Bastian Schweinsteiger, os alemães também não são lá tão santos. Sei lá o que é verdade, mas cheguei a ler por aqui que, em 2006, os socos argentinos começaram por uma declaração do ex-craque alemão Oliver Bierhoff, que hoje gerencia a seleção de seu país, “rebaixando” a Argentina por ter perdido.

Seja como for, também como há quatro anos atrás, foi bonito ver a festa que os torcedores fizeram dois minutos depois do apito final. Coisa de família, mesmo. Vuvuzelas, gritos e especialmente buzinas tomaram as ruas do país. Fiquei imaginando como será se a Alemanha levar o título, no próximo domingo. Com o calor que faz por aqui, a euforia certamente dobrará.

Suspiro

É duro ter de trabalhar num dia em que faz tanto calor aqui na Alemanha, em que a vontade maior é largar o teclado, as notícias mundiais que hoje felizmente não foram nem demasiado dramáticas, nem exageradamente felizes, e me juntar aos amigos que devem ter se esgoelado com os três gols da seleção brasileira de futebol na vitória sobre o Chile, pelas oitavas-de-final da competição mundial.

Não tecerei comentários técnicos pela falta de cultura futebolística, não é a minha praia, não cresci respirando futebol. Mas adoro relatos em livros, faço cobertura de jogos ao vivo na rádio, estudo bastante e vibro, coloco emoção na voz e tudo, e já cobri até Copa do Mundo em 2006 – se bem que a minha especialidade eram as especiais, a política, o ambiente e os acontecimentos fora dos gramados.

Eu gosto de torcer. Pinto até a unha de verde-amarelo (é Copa, vai, gente – sei lá se eu faria isso no Brasil, um grande amigo outro dia disse que para ele seria mais fácil torcer aqui no exterior, acho que concordo, a brasilidade vai além da pura origem, vira mesmo uma identidade com direito a bandeira, camisa e muita festa e samba no pé).

E fiquei com o coração doído – talvez mais – ontem, quando jogou a Alemanha, numa bonita festa contra a Inglaterra (mesmo com gol não dado). Eu tinha que estar na redação, acompanhei apenas os buzinaços aqui em Bonn – de longe, ouvido alerta à janela. Deu saudades de 2006 e da Eurocopa de 2008, com aquela euforia toda dos alemães e seus cânticos e coreografias malucas.

Não quero fazer deste um relato-queixume – apresentar o jornal (não repare nos tropeços de pronúncia) com comentários do colega sobre o jogo Argentina e México foi gostoso, uma conversa solta, mas eu queria mesmo era estar lá fora curtindo esses dias de verão que demoraram tanto para chegar e que passam tão rápido – assim como as festas dos alemães. Ontem, domingo, ao passar de bicicleta diante dos bares no centro, ainda havia festas animadinhas, mas perceptivelmente minguando.

Sei que haverá outros dias de verão. Mas não iguais a ontem e hoje.

Link direto para o jornal.

Escrevi para um amigo outro dia – umas duas semanas antes do apito inicial da Copa do Mundo – contando como estava o clima por aqui na Alemanha, que há quatro anos sediou o torneio. Talvez pelo mês de Maio mais frio dos últimos vinte anos, ou por só acordarem no verão, mesmo, pouco senti da euforia que tomou conta do país em 2006. Só nas propagandas de televisão, anúncios em bares e vitrines de lojas a febre da Copa parecia já ter começado.

Claro que Bonn não é medida para o resto do país, mas nem indo a  Colônia ou falando com amigos senti muita empolgação (isso porque a Alemanha é um país do futebol, ao contrário da França, onde muita gente nem liga muito para a Jabulani).

Mudança de 360º no último domingo, quando a Alemanha protagonizou a primeira goleada da Copa, fazendo 4 a 0 contra a Austrália. A alegria não durou muitas horas (e não se manifesta muito nas outras partidas), mas os jovens que assistiam à partida no centro de Bonn entoaram os cânticos consagrados em 2006. Era uma massa de gente, majoritariamente estudantes, agitando os braços, gritando e exultando o técnico Jogi Löw e os jogadores da “Mannschaft”. Por alguns momentos, adeus crise do euro, pacotes de austeridade, salários baixos.

Vendo a festa na rua, fiquei com uma saudade gostosa e ao mesmo tempo doída do que os alemães chamam de “Sommermärchen”, ou conto de fadas veranil. Tomara que dure bastante.

O início do "Sommermärchen" em 2006, em Munique

Em tempo 1: o meu conto de fadas é verde-e-amarelo.

Em tempo 2: fica aqui a recomendação do blog “Ao Zambezi!“, do amigo Paulo Torres, que conheci enquanto perambulava pelos estádios alemães durante a Copa de 2006. O menino é um apaixonado pela Jabulani e conhece e acompanha times que a ignorante dos relvados (adoro essa palavra “portuguesa”) aqui nem desconfia que existam. Resolveu, como ele diz, “turistar” pela África do Sul. Para mim, vai ser uma boa fonte de inspiração alternativa sobre a bola.

E pra quem quer lembrar as pérolas do torneio na Alemanha, tem link pro blog que ele fez na época também. Boa viagem!

Foi uma das conferências mais bem organizadas de que já participei, com direito a luxos como um farto e variado bufê francês gratuito, vinhos idem (de recordar que as delícias etílicas eram degustadas só no final do expediente). Bem no estilo bling-bling do presidente francês Nicolas Sarkozy, que ganhou a alcunha no início de seu mandato por causa de suas muitas aparições mediatizadas, como se fosse uma estrela de cinema (a que mais se destaca na memória, agora, é uma reportagem fotográfica, se não me engano da Gala francesa, mostrando um dia na vida de Sarkozy, uma espécie de imitação moderna do “lever du Roi Soleil” (despertar do Rei Sol) Luís XIV.

Falo da Cúpula França-África, encontro trienal que aconteceu no início de Junho em Nice, na França, entre Sarkozy e cerca de 40 chefes de Estado e de governo africanos.

A reunião pode ter sido até bonita, mas foi insossa e “oficialesca” como poucas. Verdade que não se pode esperar (muito) encontrar um alto representante do governo, se não o mais alto, para um papo de corredor. Mas pelo menos poder chegar um pouco mais perto dos chefes de Estado ou das comitivas, em saídas de reuniões ou algo do gênero… impossível dar jeitinho brasileiro na coisa.

O que mais irritou nem foi isso, sempre é possível conseguir informações com colegas e nos bastidores dessas reuniões. O problema maior foi sentir uma nítida preferência de Sarkozy por perguntas dos jornalistas franceses na coletiva de imprensa, por exemplo. Perguntas que já circulavam nos veículos do país há dias, que não trouxeram nada de novo, focando na oficialidade da opinião do líder francês sobre a Françafrique, a política francesa tida como neocolonialista em relação às ex-colônias no continente africano.

Pior ainda, Sarkozy foi de uma hipocrisia muito da sem-vergonha, para se dizer o mínimo: a conferência deveria servir para que ele conseguisse virar a página do neocolonialismo. Chamou vários países africanos de “meus amigos”, com destaque para a África do Sul e a Nigéria, duas potências anglófonas fora do circuito das ex-colônias francesas. O tradicional “jantar dos amigos” da reunião, normalmente destinado apenas a chefes de Estado africanos francófonos, foi adiado para Julho. Acontecerá durante as comemorações da queda da Bastilha.

Entretanto, veículos como o Le Monde não deixaram de alfinetar o presidente francês, lembrando declarações como a de sua primeira viagem à África como chefe de Estado. No Senegal, ele disse algo como “o homem africano não conseguiu abraçar a História” – declaração que causou muito desconforto por ser interpretada como preconceituosa em relação à “falta de evolução” do continente.

De destacar, também, outra alfinetada: a de Jacob Zuma em Sarkozy. Ao lado do presidente francês na coletiva de imprensa, o presidente sul-africano disse que autores de golpes de Estado não deveriam conseguir apoio fora do continente africano. Com isso, ele lembrou uma entrevista que deu no primeiro dia da conferência ao canal francês France 24, quando disse que o representante da junta militar do Níger, Salou Djibo, e Sekouba Konaté, novo líder na Guiné-Conacri, não deveriam ter sido convidados à reunião – que aconteceu em Nice precisamente para não ter a participação do presidente sudanês Omar al-Bashir, que tem contra si um mandado de prisão internacional, acusando-o de crimes de guerra e contra a humanidade no Sudão.

Paciência

Sobra impaciência com ele, que teima na indecisão e trava arroubos veranis. Ou melhor, estimula o espírito Carpe Diem. Se eu fosse homem, ficaria com vontade de tirar a camiseta e nos dias em que ele está de bom humor e agracia a gente com brisas amenas ou ar parado, céu limpo e sol amarelo.

Não quero muito – só colocar os dedos dos pés de fora, tingir a pele com um pouco de sol e ficar com cara saudável para não assustar a família no Brasil durante as visitas felizmente anuais. Mas anda difícil fazê-lo por mais de um dia. Daí o Carpe Diem. E daí a lembrança que teima em voltar à memória: um ano depois de atravessar o oceano, finalmente entendi porque os franceses saíram alucinados de casa naquele dia de fevereiro, usando camisetas em parques com um frio de 5°C.

Parece que o tempo aqui em Bonn anda mesmo alemão: requer planejamento e a verificação diária da previsão. Guarda-chuva, casaco para o anoitecer fresco, cuidado com os sapatos, nem roupa demais, nem de menos.

Já te vi, mau humor: é claro que, quando o sol resolve dar as caras, dou a sorte de fazer um plantão da madrugada - e ter que ignorá-lo

Para mim, esse chove-não-molha não é novidade, e também não esqueço de São Paulo e Paris, de onde lembro de mudanças de estação como períodos de transição aparentemente intermináveis, mas essa primavera alemã anda oscilante demais. O inverno já foi de lascar, haja paciência para esperar dias mais estáveis… e muitos habitantes da Alemanha – geralmente motoristas de táxi com quem converso a horas impossíveis sobre o tempo – andam pessimistas com as perspectivas para esse verão, que não promete ser dos mais quentes… ficou fácil entender o mau-humor de muita gente aqui, e perceber a própria suscetibilidade aos mandos e desmandos da metereologia.

O jeito é dar uma de Alberto Caeiro:

“(…)

E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.”

O calor há de vir pra valer.

Nuvem de fumaça

Confesso um certo receio de entrar no avião que me trouxe de volta à Europa, depois de uma semana mais ou menos emergencial no Brasil para ver a família.

É que o vulcão islandês de nome impronunciável (esse negócio de trabalhar em rádio e tropeçar no tal “Eyjafjallajokull” ao vivo também é triste) voltou a cuspir cinzas na semana passada, e acho que ainda estava sentindo um certo trauma do fuzuê que fizeram em volta da questão aqui na Europa.

Não que eu tenha achado exagero a paralisação de voos que causou caos aéreo no Velho Continente – pelo contrário. Obviamente, prefiro chegar dias atrasada ao destino, se a contrapartida for a minha segurança, e me aventuro até a discordar de pessoas que deixaram comentários no site do diário francês Le Monde, por exemplo, com queixumes (compreensíveis) por não terem conseguido chegar a tempo ao enterro da mãe.

Piadinha interna: na capa do Express, versão "bonnense" do diário popular Bild, faltou só um "R" no termo "veraschen" ("acinzentar", numa tradução bem livre) para dizer que o vulcão islandês "tirou um sarro" da Europa ("veraRscht")

Pode até ser o sangue alemão, aparentemente insensível e exageradamente racional, falando. Mas, infelizmente, é a vida. E como disse uma amiga minha sobre a primeira nuvem de cinzas, é preciso entendermos a nossa condição diminuta diante de fatores que não podemos controlar. O vulcão entra em erupção, é um fenômeno da natureza, o que se pode fazer é desviar da nuvem, abrigar as cabras, e infelizmente dormir por dias no aeroporto, protagonizando odisseias para voltar para casa. Mas ainda acho melhor que um balanço de centenas de mortos, vítimas da queda de um avião que seja.

Se dependesse de alguns passageiros brasileiros que encontrei no último domingo, dia do embarque, e do pessoal das companhias aéreas, teria sido um voo como se nada tivesse acontecido. Aliás, foi. O avião nem sequer desviou da rota Portugal/Espanha, países desta vez mais afetados pelas cinzas do vulcão e que causaram o fechamento de vários aeroportos na Espanha no sábado (08/05) e o cancelamento de diversos voos de e para os dois países a partir de outras nações europeias.

Eles foram de trem (estação de Köln/Colônia)

Resolvi, eu, “exagerar” na precaução. Registrei as malas até Paris, escala do voo, recuperei a bagagem e voltei a fazer o check-in até Düsseldorf. Foi uma viagem sem contratempos, mas que me deixou um pouco insegura, por causa do caos aéreo anterior.  Pesquisei as notícias e o site da Eurocontrol, e concluí que de qualquer forma desviariam a aeronave se as cinzas se concentrassem.

Da primeira vez que o vulcão soltou fumaça, fui uma das vítimas menores. Tinha marcado passagem para passar o fim-de-semana prolongado em Munique, e desisti quando vi os cancelamentos no dia anterior. Ligando na companhia aérea, a atendente me disse “sim, está tudo fechado. É que esse é um fenômeno que não conhecemos ainda”.

Achei louvável a prudência. E, em meio à avalanche de análises sobre prejuízos milionários, senti falta de duas respostas:

a) Se uma nuvem de cinzas paralisa um continente, a Europa tem capacidade para continuar funcionando “por terra”?

b) Mesmo que as cinzas do vulcão signifiquem poluição a mais na atmosfera, quanto os aviões parados deixaram de poluir?

A internet funcionou: no aeroporto de Köln/Bonn, quase ninguém pede informação nos guichês

Algumas agências de notícias responderam a essa segunda pergunta, citando análises da Universidade de Durham: nos primeiros dias da erupção, as emissões de dióxido de carbono atingiam 150 mil toneladas por dia, enquanto num dia normal com tráfego aéreo as aeronaves produzem 510 mil toneladas de CO2 (os dados, de 2007, são da Agência Europeia do Meio Ambiente).

Após seis dias de paralisação, as primeiras análises da qualidade do ar em volta dos aeroportos de Heathrow e Gatwick, os principais da região londrina, teriam caído expressivamente, segundo a Rede Londrina de Qualidade do Ar. Pesquisadores até disseram ter recebido e-mails dizendo que a qualidade de vida melhorou porque acabou a poluição sonora.